Posted On 08/02/2015 By In Liturgia, Red Crearte With 1580 Views

Sala, quarto e cozinha

QUANDO FAÇO A PRIMEIRA VISITA PASTORAL a uma família, costumo ler o Evangelho segundo São Marcos, capítulo 1.º, versos 29 a 31. Esse também é parte da perícope indicada para o 5.º Domingo após Epifania, Ano B:

E, saindo eles da sinagoga, foram, com Tiago e João, diretamente para a casa de Simão e André. A sogra de Simão achava-se acamada, com febre; e logo lhe falaram a respeito dela. Então, aproximando-se, tomou-a pela mão; e a febre a deixou, passando ela a servi-los.

Então eu digo que este é o “Sermão da Sala, do Quarto e da Cozinha”.

Ora, as casas do povo simples, nos tempos de Jesus, eram muito rústicas. Algumas tinham um único cômodo. Os animais (ovelhas e cabras) se abrigavam na parte de baixo, sob o assoalho, e o calor que emanavam servia para manter a parte de cima aquecida. Não tinham janelas como as nossas, pois o vidro era raridade. Em geral construíam um terraço, onde tomavam as refeições e até dormiam, muitas vezes a céu aberto, cujo acesso se dava por meio de uma escada lateral. Ali também acontecia boa parte das reuniões de família e outras interações sociais. Eram, portanto, muito diferente das nossas casas. Mesmo assim, havia espaços determinados para dormir, para comer e para receber pessoas, ainda que num mesmo lugar “multifuncional”.

Pois bem, onde estão a sala, o quarto e a cozinha no texto indicado? Vejamos:

A sala

Jesus saiu da sinagoga e foi para a casa de Simão. Podemos imaginar sem esforço que um pobre pescador, ao receber o ilustre Rabi em sua casa, por mais modesta que fosse, procuraria abriga-lo no lugar mais aprazível e confortável. Talvez até fosse o pátio da casa, sob alguma árvore. Nas nossas casas urbanas, certamente o receberíamos em nossa sala de estar. Ali devem ter conversado amenidades, como também nós fazemos, para quebrar o gelo e deixar as visitas à vontade. Então ficamos felizes de presumir que o nosso Rabi não está só lá na sinagoga (“igreja”) pública, mas que também vem até nós e nos visita na particularidade do nosso lar.

O quarto

Mas ao que parece a conversa não ficou só nas amenidades. Tiveram a chance de dizer que havia uma pessoa enferma na casa. O que nos leva a deduzir que o Rabi não ficou falando, discursando, o tempo todo, mas que de fato dialogou com os moradores daquele lugar. A sogra de Simão estava acamada, com febre alta, e rogaram-lhe por ela. Jesus então “aproximou-se” (na versão de Lucas: “inclinou-se sobre ela”), a tomou pela mão, e a febre a deixou. Jesus não ficou só na “periferia” da casa, mas também a visitou na intimidade do leito da dor e da enfermidade. Aqui merece o destaque o fato de termos um Deus que se aproxima de nós em Cristo, e nos trata com carinho, a ponto de tomar-nos pela mão e nos ajudar a reerguer-nos das nossas prostrações.

A cozinha

“A febre a deixou, passando ela a servi-los”. O verbo aqui empregado no texto grego é diakonéo, que significa “servir à mesa”. Não é impossível então imaginar que a sogra do pescador tenha ido preparar um peixinho para servir aos visitantes (nós provavelmente ofereceríamos ao menos um cafezinho). Em qualquer casa, a cozinha é o lugar da partilha e do serviço por excelência. Outro detalhe interessante é que o texto não diz que ela passou a servir somente a Jesus, mas o verbo está no plural: “passando ela a servi-los”. A experiência com Cristo nos leva à prática do serviço a todos.

Posteriormente, diakonéo se tornou um termo técnico para designar uma função bem específica na Igreja: a do diácono. Podemos concluir, portanto, que a sogra de Pedro foi a primeira diaconisa mencionada nos Evangelhos.

Como é bom sabermos que temos um Deus que não está restrito aos templos e às sinagogas, mas que nos visita na humildade dos nossos lares. Vem para participar das nossas alegrias (a Sala), mas também para nos ajudar nas nossas dores (o Quarto), e vem para nos dar forças para servir a Ele e a todos com alegria (a Cozinha).

Desafio você, a repartir este “Sermão da Sala, do Quarto e da Cozinha” com algum vizinho ou vizinha, ao longo desta semana.

Reverendo Luiz Carlos Ramos†

(Para o 5.º Dom. após Epifania, Ano B, 2015)

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